Um mês é muito

20.3.18

Um mês é muito

Um mês é muito

Cheguei faz um mês. Parece pouco. Pessoas com carteira assinada saem de férias por um mês, ao menos por enquanto. Em um mês, dá pra gostar tanto de um lugar que algumas dessas pessoas acabam ficando e abrindo uma pizzaria meio hippie, outros compram um chalé meio cafona e voltam todos os anos. Em um mês, dá pra gostar mais ou menos e dar o lugar por visto. Ou não gostar nada e nunca mais querer voltar. Um mês também é muito. Depois de um mês, os descontentes retornam agradecidos à própria privada encardida, ao ralo da pia que só escoa com ajuda de uns macetes, mas que os lembram o tempo inteiro de que finalmente estão em casa.

Quando me perguntavam se não era uma pena vender todos os móveis, eu até pensava no contraste colorido do tapete persa com o piso de taco da sala, na xilogravura de J. Borges que veio errada e que era bonita mesmo assim, nos criados-mudos de altura perfeita (procurei por meses). Eu gostava da minha casa, mas estava tudo bem. O choque da mudança chegou nas lembranças do varalzinho bambo e pequeno que acabei doando. Pensei apavorada nas vezes em que lavei mais roupa do que ele comportava e no tempo que demorei até chegar ao número ideal de peças em cada lavagem. Dez camisas e quatro bermudas. Cinco camisas, cinco vestidos e dois cachecóis. Aproveitamento máximo do varalzinho. Risco mínimo de mofo. Quantas equações como essas eu precisaria fazer pra me sentir dona da minha casa nova? Pra que cada imperfeição se tornasse um conforto?

Entrei no apartamento recém-alugado pensando que precisava dar um jeito de gostar dele. Se gostasse rápido, tudo seria mais fácil. Sem o trabalho de enfrentar novos cálculos e sem correr o risco de não conseguir resolvê-los. Eu só precisava gostar da vista, do caminho até o metrô, da mesinha de cabeceira de 12 dólares que desliza pra lá e pra cá mesmo com antiderrapantes de 15 dólares nos pés. Eu precisava conseguir gostar. E mesmo gostando muito de muitas coisas, eu precisava gostar mais. Um dia, saí pro trabalho depois de uma noite mal dormida e pensei que tudo o que mais queria era deitar na minha cama, aquela bem ao lado do criado-mudo esquiador, mas que só precisa de um empurrão leve com o dedão do pé pra voltar ao seu lugar. Então, eu acho que vai ficar tudo bem.